Nós do GRAACC tivemos a oportunidade de sermos entrevistamos pelo jornal Folha de São Paulo e a nossa coordenadora de equipe psicológica, Renata Petrilli nos representou.

 

Abaixo a entrevista na integra:

 

Mães sabem o que é ter dor de dente, medo do escuro, não querer dormir, sofrer bullying. Elas passaram por isso na infância e na adolescência e conseguem entender o que os filhos estão sentindo. Mas, quando o que aflige é o câncer, não há experiência prévia e a família tem de aprender junto, desde o começo.

O diagnóstico abala as mães, e a forma como elas lidam com a notícia e compreendem a doença tem impacto na maneira como os filhos encaram o tratamento, afirma Renata Petrilli, coordenadora da equipe de psicologia do GRAACC.

“Há pessoas que recebem como um diagnóstico de morte e outras como um alívio porque peregrinaram por vários lugares em busca de uma resposta”, afirma a psicóloga.

Por isso, é importante identificar quais são as representações e os receios. “Os responsáveis dizem que é como se tivessem sido atropelados, que o mundo caiu sobre a cabeça, então é um medo não particularizado. Eles não falam: ‘Tenho medo da sonda no nariz’, ‘tenho medo da cirurgia’”.

Compreender a origem dos medos das crianças e adolescentes também é fundamental porque, apesar dos avanços, o tratamento oncológico continua sendo muito invasivo e pode gerar traumas que permanecem na vida adulta.

A partir da identificação, diz Petrilli, as psicólogas trabalham para a família ter recursos emocionais e articular os pensamentos em prol da ação e do propósito do tratamento. Elas lembram ao paciente quem ele era e incentivam a reflexão sobre o que quer para o futuro.

“Não é uma história de horror, mas também não é um conto de fadas. Precisamos falar que é uma doença, precisa tratar, haverá momentos bons e momentos não tão bons e que estaremos juntos”, afirma Monica Cypriano, diretora médica do GRAACC. “A família tem de se unir e os agregados também.”

Cypriano afirma que, ao contrário dos adultos, que sofrem por antecipação, as crianças focam o presente. Assim, é muito comum vê-las dando força para as mães e para os pais, estes minoria no grupo de acompanhantes.

“Se a criança está com náusea, ela fica chateada, mas, se ela está se sentindo bem, vai brincar, correr e as mães tiram muita força disso, de ver o filho pulando”, diz. “As crianças ensinam mais às mães como lidar com o processo do que o contrário. Elas pensam: ‘Meu filho está rindo, por que eu estou chorando?’.”

Em agosto de 2021, todos achavam que a dor que a estudante Olívia Maria de Oliveira Garcia sentia estava relacionada ao ciclo menstrual. Ela ia ao hospital em Pouso Alegre (MG), recebia medicação para cólica e era encaminhada para casa.

“Mas a dor foi ficando tão intensa que eu não conseguia mais fazer tarefas diárias, só ficar deitada. Comecei a ficar com febre, parei de comer, de ir ao banheiro”, relata a estudante, hoje com 17 anos.

“Fiquei sabendo que era câncer quando fomos buscar o resultado da biópsia”, lembra Olívia. “A primeira coisa que perguntei foi: ‘Mãe, meu cabelo vai cair?’.”

“Nunca vimos uma criança com câncer na minha cidade, então para mim era uma doença do mal que só dava nas pessoas velhas”, conta a mãe, a dona de casa Maria Eluíza de Oliveira, 52. “Depois, fomos aprendendo o que era.”

Olívia passou por uma cirurgia para retirada do tumor no ovário e, com o resultado da biópsia, foi encaminhada ao GRAACC, aonde chegou em janeiro de 2022.

No começo, segundo Olívia, a mãe assistia a vídeos sobre a doença, o que a incomodava. “Ela pesquisava e vinha falar para mim. Não é porque aconteceu com uma pessoa que vai acontecer comigo também.”

“Eu queria saber o que ela ia passar para poder lidar melhor, para estar preparada”, confidencia Maria. “A psicóloga falou para eu não fazer mais isso, que estava fazendo mal para a Olívia, e a médica explicou que os organismos são diferentes.”

Hoje, quando Olívia está mal, a mãe tenta ajudá-la observando seus limites. “Eu respeito a dor dela e ficar ao lado é uma maneira de ela se sentir protegida, segura e saber que não está sozinha”, afirma Maria.

Quando chegou ao hospital, Arthur Gabriel Borges Frasão, 8, ganhou duas telas da psicóloga. A primeira, sugeriu a mãe, Rafaela Frasão, 36, ele poderia pintar e a segunda poderia servir para colher as digitais de toda a equipe de saúde. Seria um quadro das “digitais do amor”.

A ideia de sujar as mãos das “tias” acalmou o garoto e em poucas semanas o espaço em branco foi preenchido. “Ver agora as digitais traz a lembrança de que os profissionais se doaram para cuidar dele. Você precisa desse tipo de tratamento, de alguém para cuidar porque, querendo ou não, o carinho de terceiros também ajuda”, diz a mãe.

O menino foi diagnosticado com linfoma não Hodgkin no início de 2022. “Falei para ele que era câncer e, quando os médicos chegavam, ele dizia: ‘Tio, pode falar porque eu preciso saber'”, lembra a mãe. “Ele foi aprendendo sobre a doença conforme ele sentia. E eu fui aprendendo pesquisando e perguntando, pedindo para me explicarem.”

“A doença é muito traiçoeira, muito perigosa. Em uma hora ele pode estar bem e, na outra, pode já não estar mais entre nós. Esse elemento me ensinou muito a ser mais unido e a não deixar nada para depois porque depois pode ser tarde”, afirma Rafael Borges, 33.

Agora que teve alta e vai voltar para Palmas, Arthur quer emoldurar a tela. Ele decidiu que será cirurgião pediátrico, que vai trabalhar no GRAACC e pretende colocar o quadro no consultório para mostrar para todas as crianças.

No início de outubro de 2022, Sarah Matos Muniz, 10, relatou incômodos no corpo e que o lado direito do abdômen parecia mais alto. Como ela não sentia dor, a queixa não alarmou a mãe, a professora Jaqueline Matos de Lima, que decidiu aguardar a consulta com a pediatra.

Poucos dias depois, porém, a irmã de Sarah caiu sobre o braço já fraturado e a mãe decidiu levar as duas filhas para o Hospital do Servidor Público Municipal. Lá, o médico notou que havia algo anormal no ultrassom da mais velha, pediu a internação dela e desconfiou que pudesse ser tumor de Wilms, o que depois se confirmou.

“Falei para ela: ‘Você está com um caroço na barriga. É grande e vai ser necessário remover o rim, mas fica tranquila que vai dar tudo certo'”, conta a mãe.

“Acabei descobrindo sozinha que era um tumor”, revela Sarah para surpresa de Jaqueline. “Para me distrair, peguei o celular da minha mãe e vi a mensagem que ela tinha mandado para o meu pai, falando que era um tumor. No começo, chorei um pouco, fiquei um pouco triste.”

“Conhecemos esse tumor lá no hospital, conversando com os médicos”, diz a mãe. “Quando eu fico sabendo de alguma coisa, já quero pesquisar, saber mais, mas nesse caso não. Para ficar mais tranquila, prefiro não buscar informações fora dos médicos. Também orientei a Sarah a não ficar pesquisando, porque o que está na internet não é exatamente o caso dela e isso pode causar mais ansiedade.”

Sarah foi encaminhada para o GRAACC e, em 26 de outubro, foi submetida a uma cirurgia. Em seguida, iniciou as sessões de quimioterapia.

“Quando o cabelo dela começou a cair, fiquei um pouco angustiada. É uma aflição terrível pentear e o cabelo sair totalmente na mão”, afirma Jaqueline. “Mas eu olhava para a Sarah e ela estava em paz, tranquila, e então eu pensava que tinha de me recompor. A doutora do Hospital do Servidor falou que eu tinha de me controlar, tentar ser firme e passar positividade para ela, e eu tenho feito isso desde o começo.”

Enquanto Joaquim, 8, diverte-se na brinquedoteca aguardando o horário da sessão de quimioterapia, a assistente financeira Shirley Pereira da Silva, 43, trabalha em seu notebook em uma das mesas rodeadas de brinquedos.

“Trabalhar me fortalece. Eu preciso produzir, seguir em frente. Preciso me manter, mantê-lo e continuar sendo eu mesma, é minha identidade”, justifica. É também uma forma de mostrar ao filho que ele tem de ser forte e fazer o que é necessário.

No fim de julho do ano passado, Joaquim começou a sentir dor de cabeça, o que se tornou mais frequente em setembro. Após idas e vindas a um posto de saúde, a mãe o levou ao Hospital do Campo Limpo, onde recebeu a notícia de um tumor no cérebro. Depois, no GRAACC, ele foi operado e iniciou a quimioterapia.

Hoje, a mãe se preocupa sobretudo com a alimentação do filho, que emagreceu. “Perdi a vontade, a comida ficou sem gosto”, explica Joaquim.

“Ele percebe que tem de se alimentar e come mesmo sem querer. Também entende a necessidade do tratamento, não tem opção. Não se queixa, compreende e aceita. A terapia ajudou a lidar com isso.”

Segundo a mãe, o filho entende a gravidade da doença. “O diagnóstico do Joaquim veio logo depois de meu pai operar do câncer de próstata em Pernambuco e meu filho acompanhou toda a correria, a preocupação, então ele sabe o que é câncer. Sabe que é preocupante e sabe que não adianta chorar porque temos que cuidar, tratar.”

 

Fonte: Folha de S. Paulo


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